domingo, 6 de março de 2011

Carta de amor a Tokien (continuação)

Uma coisa que me contaram de novo e de novo, é que antes, no tempo do Nazismo e das Ditaduras, sabíamos contra o que estávamos lutando. O Inimigo tinha uma face, uma voz, um discurso, mas que acabado o Totalitarismo, não tínhamos mais com quem lutar. Quando o Inimigo esboçava um novo rosto e uma nova voz, era inutilmente atacado, transformando-se em fumaça diante de nossos olhos, bem nas nossas mãos.

Mas eu li e li muitas coisas, Tolkien, para enfim descobrir que mesmo no tempo das Ditaduras, estávamos lutando contra o inimigo errado. Que aqueles ditadores caricatos em seus púlpitos estavam a orar mentiras nas quais nem mesmo eles acreditavam... eram apenas soldados... eram a máscara de pessoas que continuam impunes. Eram a Máscara do avanço da Civilização, com seus dentes de ferro e suas garras que entram fundo na Terra, que inoculam veneno nos rios e mentiras em nossos corações. Dizem-nos que a era das Dicotomias acabou porque não querem que vejamos uma simples verdade: ainda há Eles, e ainda há Nós; ainda há dentes em nossas gargantas e algemas em nossas mãos. Se algo mudou é que agora nossa prisão conta com uma droga inebriante chamada Consumo, que nos entorpece mal e temporariamente, para que não sintamos os Males do Mundo. Ainda há uma Mordor, e ainda há um Condado, mas ao contrário de seus livros, não há mais povos livres... Como você mesmo disse, “tal é a vida moderna: Mordor no meio de nós”.

Fui lendo de novo O Senhor dos Anéis, mas agora de olhos abertos, e paralelamente, lendo sua biografia. Tolkien, você, como eu, é o fruto de um mundo que está morrendo. Os Elfos estão fugindo, ou entrando em cavernas, onde serão esquecidos, e a Terra está sendo deixada nas mãos dos Homens. Você nasceu numa Inglaterra vitoriana, com extensas campinas e moinhos de Vento, e acabou numa Inglaterra submersa em fumaça. Você foi grandioso e sensível, e chorou pelas árvores muito antes de haver Green Peace ou Salve as Baleias. Sua Obra retrata o mundo agonizante no qual você mesmo viveu. E tal como nesse mundo, não é ingênuo nem míope apontar um Bem e um Mal, e dar-lhes nomes.

Tal como antes, Tolkien é para ser sentido... e dessa vez, com nitidez, senti a fumaça de Mordor, senti que, com a partida dos Elfos, as próprias estrelas perderam parte de seu fulgor. Senti a tristeza pelos pobres Olifantes, que não tinham raiva nem mal em seus corações, mas que marcharam para dentro dos rios, e foram lavados da Terra Média para sempre. Senti o frio do novo Condado, onde antes os Hobbits moravam dentro da própria Terra, e agora amontoavam-se em pobres casas de tijolos. Quiséramos todos viver nas tocas, como os Hobbits, no seio da Terra, no ninho emaranhado das raízes dos carvalhos, e não nesses arranha-céus que, como o próprio nome diz, chagam o céu e ofuscam as estrelas com seu brilho artificial, que nunca se apaga, como o Olho vermelho de Mordor.

Tolkien, você sabia do que falava.

Deixei você dentro de mim: percebi que você, grande amigo, como todos os meus grandes amigos, é uma parte da minha personalidade que posso sempre visitar, a cujas palavras sempre posso recorrer. Seus livros me oferecem, ainda e sempre, um abraço real quando me deparo com este mundo morrendo à minha volta. Há, dentro de mim, algo de belo que você plantou. De você, sempre posso puxar o hálito e a força dos meus dragões, o verde e o orvalho das minhas planícies, e nossos olhos se cruzam sempre que posso olhar as estrelas.

Obrigada por tudo.

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