quarta-feira, 29 de junho de 2011

História do momento eterno que sempre acaba...

Era uma vez uma história sobre amor, uma história sobre sexo. Uma história que ainda não havia sido escrita e existia somente na mente daquelx que a escreveria... Daquelx que a viveria...

Era a história mais intensa e mais doce. Era a história mais sinestésica de todas. Uma história que, quem sabe, teria nove músicas diferentes... Uma história que teria o cheiro dos pelos e o sabor do gozo.

Essa história ainda estava adormecida quando foi encontrada. Meio inesperadamente, apareceu num dia frio e ensolarado de outono. Suas palavras ecoaram no ar, suas frases imperfeitas sussurraram baixinho naquele ouvido. Era a história de amor mais leve e intensa já contada.

Quando tentou pegar a história ela se desfez, desmanchou como castelos de areia quando a maré sobe. Teria desaparecido?

Não... não era uma história invisível, não era uma história impossível. Era apenas uma história nova, diferente de tudo o que elx já lera, escrevera, vira ou vivera. E que história era? A quem pertenciam os corpos suados daquela história? A quem pertenceriam as mãos que escreveriam aquela história?

Era uma história que existia sem pedir permissão, existia sem ter consciência de sua existência. Ela desafiava e intrigava. Ela lançava um olhar de longe, como se pedisse que alguém a lesse, e depois, novamente, desmanchava.

Elx não entendia. No início se desesperou. Como podia ela estar tão viva em sua mente e ao mesmo tempo se desmanchar nas suas mãos? Mas não havia razão para o desespero. Elx ainda aprenderia que aquela história de amor, aquela história de sexo, não precisava nem da sua mente nem de suas mãos para existir. Ela já existia antes disso tudo...

E a história parecia rir de sua ingenuidade. Mas elx descobriria...

Descobriria sobre a sinestesia que existe na cama dos amantes, descobriria sobre os olhares suados que percorrem a alma, descobriria o que se vê quando se fecha os olhos para sentir, descobriria o que se ouve no momento em que os sons parecem desaparecer, o que se sente quando o corpo colado ao seu estremece de prazer...

Elx ainda escreveria aquela história... A história que começava a existir na sua mente, a história que começava a existir antes mesmo delx haver pensado nela, a história que precisava ser contada mas que, sobretudo, precisava ser vivida. Aquela seria uma história diferente de todas as outras, porque todxs que a lessem veriam ela desmanchar diante de seus olhos, sentiriam ela desmanchar entre seus lábios, entre suas pernas, e ela desaparecia...

Mas não para sempre, porque nada é eterno. E a ausência também não pode ser. E a história estará sempre lá, esperando para ser vivida, mas sabendo que só pode existir no infinito momento que dura apenas o tempo que precede seu desmanchar...

domingo, 26 de junho de 2011

Namoro

É tão trágico pensar que mesmo o que nós sentimos mais intimamente,
sem falar a ninguém, seja uma obra repetitiva e muito pouco autêntica.
Que tenhamos aprendido a amar, a namorar, ou mesmo a sonhar, em
pequenas fôrmas de empadas, e que nossos namoros, amores e sonhos
tenham se tornado apenas pequenas empadinhas defeituosas, pequenas
demais, quebradas demais.

Eu queria um namoro que fosse apenas intensidade. Que não fosse sobre
beijos, ou sexo, ou cartas, ou palavras. Mas que fosse de verdade. E
que você aparecesse à minha porta, não por que sejamos namorados, não
porque não nos vejamos há um mês e namorados se vejam; queria que você
viesse, e sem avisar, porque a maneira como as folhas caem faz o
barulho do meu sapato. Então, que você venha, que nos beijemos apenas
se for o caso, que você vá embora sem matar completamente as saudades.

quero também que haja dias em que você não queira me ver, mas queira
ver mais alguém. Quero que você tenha muit@s namorad@s.

Quero que, alguma vez, fiquemos sete anos sem nos ver, e talvez que eu
me indague se você ainda existe. Quero que não seja assim tão
importante que eu jamais tenha ligado no seu aniversário. Quero um dia
receber uma carta dizendo que você morreu, sentir uma alegria leve,
sem explicação. Quero não saber onde você mora e o que faz da vida,
com a certeza absoluta de que no espaço-tempo você dedica um sorriso a
mim.

Quero saber que os namoros não simplesmente acabam, que ficam parados
como os deixamos da última vez. Que não seja sobre notícias,
satisfações ou contratos. Quero que nosso namoro não se desgaste pelo
desuso, pelas esperas e pelos desencontros. Quero que nosso namoro
nunca se acabe.

   
Abaixo a repressão! Por mais amor e mais tesão!

Vídeo da Semana:

quarta-feira, 22 de junho de 2011

O BELO É BONITO E O FEIO É FEIOSO

Porque alguns pleonasmos são de carne e osso!


A ditadura da beleza chega cedo nas nossas vidas. Ela nos apanha peladxs e nos veste com suas roupas enquadradas e enformadas. Ali já não há espaço para formatações, o sistema já veio programado de fábrica, e pra quebrar esse código só sendo um hacker muito sagaz.

Ela nos bombardeia com seus corpos supostamente perfeitos, nos fala com palavras doces e felpudas sobre saúde e bem-estar. Nos faz acreditar que só seremos capaz de amar e sermos amadxs se nossos corpos apresentarem a silhueta que jaz do outro lado da TV. Ela cala nossas bocas com chocolate, açúcar pra drogar o corpo e a mente, açúcar pra alimentar as banhas... quanta ironia...

É assim que ela trabalha. Se bonito fosse ser autentico o que ela ganharia com isso? Se bonito fosse maioria o que ela ganharia com isso? É preciso criar uma fôrma na qual a maioria nunca vá caber, só assim ela pode criar mil e um artifícios pra fazer as banhas acreditarem que podem jazer confortavelmente lá dentro. Mas a verdade é que somente a tentativa faz lucrar, cruzar a linha de chegada nunca foi o objetivo. O objetivo é cruel, é te fazer morrer correndo, esbaforidx, mas ela vai te jogar muitos copos d'água e seguir mentindo que a linha de chegada está logo ali depois da curva...

Tenho pena dos que de fato morrem correndo. Não dá pra ter outra coisa. Pequenxs animais enjauladxs, que estendem o braço voluntariamente para receber a algema. “Dancem, macacos, dancem”.

Alguns poucos, um dia se irritam ao perceberem que após a curva só tem outra curva. Então em dado momento a gente pára, joga o copo d'água de volta ao nosso algoz (vai saber que tipo de veneno misturaram ali), vai pra casa tomar um banho e se ver livre de uma vez por toda dessa necessidade desnecessária de suar até morrer. Deixe que o ralo leve as últimas toxinas do fermento que te fazia engordar. Agora só restou o corpo nu, em pelo, despido da imagem disforme do olhar corporativista.

O espelho, nesse momento, passa a refletir a utopia que antes estava escondida entre as banhas que insistem em crescer e, muitas vezes acabava arrancada tiranicamente junto com os pelos. Aquela superfície lisa reflete o corpo perfeito, o corpo que dança e se mexe, o corpo que cresce e diminui, o corpo que já não se mutila, que se olha de todos os ângulos pela primeira vez! Os olhos autofágicos que passam todos os cantinhos, todas as ondinhas, todos os furinhos, todas as marquinhas...

E nessa hora o coração se aquece.

O corpo nota uma pequena barra do antigo chocolate jogado sobre a mesa. Sorri. Sorri na certeza de que já não precisa mais dele, jamais voltará a confundir açúcar com afeto. A mão que lhe estendia o açúcar travestido de afeto sempre foi a mão da tirania, a mesma que lhe estendia o copo d'água... O sorriso transforma-se numa enorme gargalhada.

Afeto? Afeto é esse calor que cresce no peito. Afeto é esse corpo solitariamente acompanhado. Afeto vem da mão que toca o corpo e a utopia que nele habita. Porque agora um já não sobrevive sem o outro.

A mão sabe aonde ir, sabe que é só disso que o corpo precisa. E ele continua ali, encarando o espelho, o sorriso e a mão. Essa corre e saboreia por inteiro a utopia! E o calor aumenta e o gozo chega! E o corpo cai feliz no chão...

Lá fora o barulho dos passos frenéticos dos que continuam na corrida passam apressados... O corpo sorri novamente... E adormece, cansadx...

domingo, 19 de junho de 2011

Das Religiões Modernas

Eu sempre tive dificuldades em entender o que era uma religião.

Claro, eu era uma menina esperta e tinha uma boa memória; então, havia um sem número de coisas no mundo que eu classificava corretamente como religião simplesmente porque alguém me tinha dado essas informações. Igualmente, eu fazia cá e lá minhas ingênuas inferências sobre o assunto, tentando achar por detrás desses inúmeros mantos coloridos o varal que os sustinha. Seria a crença em Deus? Seria a crença em líderes humanos?

Bom, dizer que uma religião é uma religião por haver a presença de Deus não chega a ser uma resposta. Descrever uma religião não explica por que ela é uma religião – é um silogismo como dizer “flores têm pétalas, isto tem pétalas, logo isto é uma flor”. Comecei a querer, com minha cabeça infantil, elaborar algo mais complexo. O que as religiões de fato fazem? Para quê e para quem elas existem?

Religiões explicam, concluí. Religiões respondem. E nesse ponto nevrálgico em comum é que as mais dessemelhantes crenças se mostram apenas uma coleção mais ou menos variada de roupagens: das religiões que me tinham sido apresentadas na infância, todas elas buscavam a Verdade. Esta, por sua vez, era intocável pelo Homem (e mais uma vez, vamos nos lembrar de que nessa brincadeira estamos falando do ser fálico e viril), que tem olhos e orelhas por demais rústicos para depreender do Universo a essência da Vida.

Foi no meio dessa minha reflexão rudimentar (quando criança, obviamente, eu usava palavras um tanto mais precárias, ou talvez não usasse palavra alguma) que Freud apareceu na minha vida.

Estava na moda, embora eu não saiba dizer por que. Mas na minha infância, não raro alguém respondia a uma das minhas perguntas com a seguinte frase: “Freud explica”. E daí saía andando, com ares de dever cumprido, depois de deixar na minha imaginação essa frase tão impressionantemente lacônica. Pois, veja bem, a imaginação infantil não tem nada de ociosa, e onde as lacunas do conhecimento ficam vazias das palavras adultas, as crianças formulam as mais impressionantes hipóteses. Eu diria que cada criança é um pequeno filósofo, com um pequeno sistema filosófico em sua cabeça.

Com a frase enigmática, fiz duas inferências: em primeiro lugar, Freud não era um deus. E não por algum pensamento realmente profundo, mas porque Freud não soava como nome de divindade nos meus ouvidos. Simples assim. A segunda reflexão era que, se Freud era um homem, então ele só poderia ser cientista, os únicos homens que, munidos de seus mirabolantes instrumentos, aproximavam-se da essência do universo, esse cheiro sutil que emana de todas as coisas e contém todas as respostas.

O tempo passou e eu cresci um pouquinho. Um pouquinho só: mas já era o suficiente para ter me tornado roqueira, grunge, e estar levemente apaixonada por um professor de geografia profundamente marxista. Um homem alto e magro, barbudo a vida toda, e a primeira pessoa na minha vida a concordar comigo na minha mais antiga, secreta e profunda crença: há alguma coisa muito errada no mundo. E não só meu professor concordava comigo como sabia que essa coisa tinha um nome, uma forma, chamava-se Capitalismo, chamava-se Exploração, chamava-se Mais Valia, chamava-se Consumismo. A primeira pessoa a falar que meus cabelos enrolados eram lindos, e que todos o poderiam ver se não houvesse algo chamado Racismo. Que eu era inteligente e interessante, e todos seriam capazes de vê-lo se não houvesse algo como Preconceito. Que, aliás, cada criança daquela sala era um ser maravilhoso enterrado num mundo de valores que desconheciam e que não podiam ver. E, por fim, foi a primeira pessoa a me dizer que as coisas poderiam ser de outras formas. “É fácil... basta imaginar”.

E um belo dia ele nos deu uma aula sobre a Igreja. Que era uma aula sobre religiões em geral, mas que atacava as igrejas cristãs como alvos prioritários. Basicamente, meu professor disse que eu estava colocando o carro na frente dos bois. As religiões não criam suas morais baseadas nas verdades que encontram, mas elaboram discursos sobre a realidade baseando-se na moral que pretendem estabelecer. Convidou-nos a um breve passeio pela História, mostrando-nos a indissociabilidade (palavra grande!) que havia entre religião e política. Como os homens que guiavam as almas de inúmeros humanos nesse escuro que é a existência utilizavam-se do desespero e da fé de gente simples para ganhar dinheiro. Simples assim. Dinheiro. E meu professor me ensinou que era muito importante pensarmos, agirmos e falarmos sem eufemismos. Que o eufemismo é a figura de linguagem da opressão: ela está sempre do lado de quem manda. Sempre.

Sem eu entender por que, o Freud que andava adormecido nas minhas reflexões veio à tona. Aquele que eu supunha cientista, aquele que eu continuava a não saber quem era. Eu recapitulava todas as perguntas que conseguia lembrar, cada pergunta embaraçosa e difícil que me fora respondida com o nome desse homem. Ele continuava a não me interessar: a pergunta agora era outra. Por que o senso comum lança mão de suas idéias com tanta freqüência e tanta alegria para responder as perguntas mais socialmente constrangedoras? E eu comecei a entender que as teorias freudianas não estão na boca do povo por acaso, estão na boca do povo por política. Porque, apesar de nos ser sempre apresentada como inovadora e quebradora de paradigmas, ela é politicamente interessante para quem está no poder.

Foi assim que eu aprendi que as ciências também eram religiões...

Vídeo da Semana:
http://www.youtube.com/watch?v=kFSpiweayEM

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Ela é de estimação!

A insegurança é esse nó na minha garganta. Essa coisa de gosto amargo que parece se recusar a sair. Repudio muito, ou quase tudo, do que me foi ensinado, mas isso não significa expurgar esses ensinamentos de dentro de mim. Isso significa apenas, tentar conviver com eles de outra forma. Ressignificar palavras, gestos, pensamentos...

E a insegurança é uma dessas coisas. Coisa que grita dentro de mim e se manifesta nas piores horas. Eu mudei, e continuo mutante e mutável. No entanto algo insiste em resistir. Resiste forte e estupidamente. Resiste como algo mesquinho que fica ali, apenas existindo na sua frente, sabendo e te dizendo todos os males que te causam...

As vezes chego a pensar que não há nada a ser feito, que esse nó estará sempre lá. Mas ele nem sempre esteve... Esteve? Será que nasci entalada? Nasci angustiada? Nasci chorando de desgosto e solidão?

Não lembro que tipo de choro foi aquele, nem me lembro se foi mesmo um choro, ou um grito de desespero. Desespero por terem coberto minhas vergonhas, desespero por terem furado minha orelha, por terem me amarrado em laços e pelúcias... Desespero por terem me apresentado a insegurança.

Talvez tenha sido um grande e enorme lamento. Lamento pela merda cagada que já não desce...

Mas esse é um sentimento que precisa ser alimentado, como um animal domesticado, senão ele definha e morre. E não é isso que queremos. Morrer é ruim, eles dizem. Então alimente, alimente seu animalzinho dócil e ingênuo. Dê a ele mais lamentações de um mundo sitiado, diga a ele que a solução vai vir de cima, e faça ele se sentir culpado e diminuído quando só cai água sobre sua cabeça.

Agora afague sua cabeça, e diga que foi um bom menino... ou boa menina... Boa menina! Linda menina! Nessa casa ninguém nunca desejou um menino... As meninas são mais doces e amáveis. São puras como uma boneca... Seja a boneca... Dê a orelha para receber mais um afago, coma quietinha e durma com os anjinhos.

Nunca se esqueça do que a mamãe lhe ensinou, nunca se esqueça das histórias que lhe foram contatas, nunca se esqueça da espera... espere sempre, com a insegurança como sua melhor amiga, aquela que nunca lhe abandona, a mais fiel de todas... Espere como uma boa moça que a solução já vai chegar.

Ela virá! Todos prometeram que ela vai chegar.

O abismo é profundo e você tem medo dele. Mas sua cabeça continua molhada e seu rosto também. E um dia ela se levanta e se joga. O abismo é realmente profundo...

E a queda não tem fim... mas ela continua caindo, caindo, caindo. Feliz por estar caindo, feliz porque a espera acabou, mas com a insegurança ainda entalada na garganta. Porque ela sabe que uma hora o chão há de chegar, e lá embaixo, o q haverá? Será que outra espera a espera? Ou será que tem algo novo que possa ser feito? Como saber o que é o novo se ele ainda não existe?

Só lhe resta cair... cair e sorrir... sorrir com a possibilidade cheia de insegurança...

domingo, 12 de junho de 2011

Acho que isso não é amor

Nós dois na cama, deslizando em nossos suores. Cama fedida, suores de outros seres humanos que já haviam gotejado orgasmos por ali. Se seguisse as trilhas de cheiros, podia adivinhar seus rostos, seus sorrisos, seus gemidos afogados na noite, nas estrelas. Que belíssima orgia, nossos corpos se fundindo, seus lábios colados nos meus, suas mãos me guiando e ao mesmo passo me descobrindo, eu me desfazendo na sua boca com uma risada gostosa. Eu e esse estranho, esse desconhecido, para quem eu vinha dando olhares, que eu vinha cortejando com músicas e palavras tímidas. Agora o tinha entre as minhas pernas, sua barba nos meus pentelhos, seu sorriso no meu, um orgasmo assomando no horizonte das possibilidades.

Eu não queria que acabasse, o rock n’ roll tocava sozinho na minha cabeça. Eu e os feromônios de, quem sabe, dezenas de fêmeas no seu lençol. E eu sim, eu fazia sexo com cada uma delas, cada vez que afundava meu rosto naquelas cobertas toscas, rotas, fedidas. Sua língua não se cansava de mim, minhas mãos patinavam nas suas costas sardentas, enquanto as estrelas se retiravam uma a uma para dormir. E lá vem o sol de domingo iluminar nossos orgasmos bêbados! Lá vem o sino da igreja, blasfemar contra a nossa união! Do outro lado da rua, acorda a janela de um apartamento, uma velhinha horrorizada deixa-se olhar para nós um instante, um breve instante a mais. “Como era bom, no meu tempo!”.

Nem o cansaço, nem a fome, nem a possibilidade ruidosa de que alguém empurrasse a porta levemente entreaberta. O que conjurou aquele orgasmo conjunto do fundo primitivo do nosso sangue, das nossas nervuras? Quem puxou os títeres dos nossos membros contorcidos? De onde veio a piada cósmica que provocou o riso frouxo, o riso desvairado daquele gozo? Você desfaleceu entre as minhas pernas, e depois encostou a cabeça cacheada no meu peito, onde meu coração agitado não deixou você dormir. As palavras subiram gorgolejantes, e já na ponta da língua calei; calei a última vez na vida em que desejei dizer “eu te amo” a alguém.

Outro dia vi um amigo declamar uma poesia. Sofria. A mão gesticulava no ar sem esperança alguma. Apontava vagamente um pássaro que estava voando muito longe, mas do qual eu não via senão um ponto indistinto e sem cor, entre as nuvens. Vem daí a expressão “cor de burro quando foge”: quando as coisas fogem de nós em velocidade muito grande, ou quando estão no limite do horizonte, prestes a sumir, não têm cor mesmo. A gente pesca na memória as cores que acha que tinha aquele pássaro distante; mas as cores da memória são muito mais vivas do que as da paleta do pintor. Qual é a cor da angústia, da paixão, do amargo ou do doce? Daí, com sua poesia, meu amigo pintava seu amor com cores fúnebres. E eu pensava: “acho que isso não é amor”.

Tenho tido problemas com essas palavras. E, para meu total espanto, não tenho tido problema algum em não ouvi-las nos últimos dois anos. Pelo contrário, isso muito me descansa. O medo, portanto, é que alguém venha a dizer-mas. E, novamente, pasmo por não as querer. Porque não sei exatamente o que significam, aliás isso nunca soube. Mas assim como andam na boca do povo, pintadas com as tintas da agonia, assim não as quero.

Outro dia ouvi uma fábula em que um menino se apaixona por uma feiticeira. Em dado ponto da história, o menino se depara com uma escolha: se decidir por casar-se com ela, ela perderia seus poderes e passaria a ser uma menina comum. Se se decidisse por não casar com ela, ela voltaria a ser uma bruxa feliz, trotando por aí com sua vassoura de capim e um gatinho preto na cesta de vime. Como convém aos finais felizes, o garoto escolhe casar-se com a bruxa, que perde seus poderes.

Que escolha estranha, essa. É como escolher mutilar as asas de um pássaro para que ele cante apenas no seu quintal. O amor, devo concluir que é isso? Belo dia acordarei sem asas, deitada numa cama de plumas, numa torre de cristal? Por que é tão difícil escolher que o pássaro possa cantar em outras paragens, que a bruxa possa enfeitiçar outros homens e casar-se com o gato? Chego a pensar que as pessoas não se apaixonam umas pelas outras, não amam-se umas às outras, mas às fantasias de dor que recobrem esse sentimento que deveria – pelo menos é o que dizem – libertá-las. Acho que isso não é amor.

As pessoas que entram silenciosamente no mundo das palavras, e de lá colhem os poemas deixados pelos poetas mortos, encantam-se com as tintas mortíferas que revestem o amor desde os mais tenros primórdios. Mas há muita diferença em gostar do amor e de todo o aparato fantástico e fantasmagórico que o embrulha, ou que precede sua chegada. Não gosto de chamas que ardem sem eu ver, não gosto de me perder pelos mares um tanto quanto conhecidos da angústia pré-fabricada das liras, dos rococós, dos sonetos de Vinícius ou das novelas mexicanas. A mim agradam mais os jogos selvagens dos gemidos indistintos, a acrobacia deslizante dos corpos que não oferecem qualquer aderência às palavras.

Hoje não tem revolução nessa pena digital que vos escreve. Hoje não tem grito, não tem revolta. Hoje tem a lembrança silenciosa daquelas palavras que não foram ditas naquela cama. Porque, para mim... para MIM... amar era aquilo que eu estava sentindo, e que provavelmente só senti uma vez: não era me confundir com quem me devorava. Não era sentir aflição ao partilhar a cama com gerações e gerações de lascívias fêmeas. Amar era simplesmente abandonar o barco do Eu na risada da nossa comunhão.

Vídeo da Semana:

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Libertário, libera a liberdade aí!!


Essas semanas estão sendo marcadas por muitas polemicas e gritos nas ruas. Tivemos Marcha da Maconha, depois Marcha pela Liberdade, polemicas com o kit anti-homofobia e agora as manifestações pipocando contra o novo Código Florestal.

Eu acho isso tudo muito bonito e bastante válido. Mas fico me questionando realmente o que pensamos que seja liberdade. Uma vez conheci um cara que defendia que ninguém é verdadeiramente livre porque, antes de mais nada, estamos presos em nossa condição humana. Nunca saberemos, por mais q tracemos milhões de paralelos, como se sente um cachorro, uma vaca, um mosquito ou uma sequoia. Nós só somos capazes de perceber e entender o mundo a nossa volta através das nossas percepções humanas limitadas.

Eu acho essa análise interessante. Mas ela é meio ensimesmada, não dá pra fazer muito com essa informação. É apenas algo que se constata e acha-se bonitinho.

Pra mim, a verdadeira análise em relação a liberdade é referente a normas e padrões vigentes. Um bom exemplo pra isso é o velho paradoxo religioso. Se Deus é onipresente, onipotente e, principalmente, onisciente e, portanto, já conhece todas as suas decisões antes mesmo de você as tomar, como pode haver livre-arbítrio? Mas essa mesma lógica se aplica fora dos valores religiosos, no modelo social vigente: se você é educado numa sociedade que te ensina que ser heterossexual, rico, comer carne e ter um diploma de uma faculdade importante são coisas boas e te farão ter uma vida mais feliz, será que você realmente considera isso tudo bom e importante ou foi ensinado a isso?

E aqui eu me recordo das minhas aulinhas de Psicologia da Educação, numa discussão que a professora insistiu em arrastar o semestre inteiro. Ela passou um filme para gente no primeiro dia de aula que contava a história de um menino que fora abandonado, ainda bem pequeno, numa floresta. O menino conseguiu sobreviver, mas caminhava de quatro, rosnava, comia cru. Um belo dia foi encontrado por um médico proeminente que resolveu fazer do menino um de seus ratos de laboratório (não menosprezando o rato, mas tentando mostrar que realmente não há diferenças entre eles). Levou o menino pra casa e, nos anos que se seguiram, fez de tudo para ensinar as regras sociais e o Bê-A-Bá para o garoto. Mas ele não obteve muito sucesso. O menino aprendeu a falar algumas coisas, tinha um vocabulário limitado mas era capaz de se comunicar, mas não conseguiu aprender matemática nem gramática. Ainda tinha surtos de querer sair correndo pelo campo e chegou a fugir de casa algumas vezes.

Mas a perguntinha que a minha querida professora insistiu em arrastar por todo o semestre foi: será que esse menino era de fato um humano educado ou não passava de um bicho adestrado? Ao que eu respondo com outra pergunta: qual é a diferença entre eles??

Para mim parece bastante óbvio que nós, Homo sapiens, somos tão adestrados a nossa vidinha social quanto qualquer elefante de circo. E ainda levamos as mesmas porradas e chicoteadas que eles levam. Cada tapa que uma mãe dá a uma criança por não se comportar bem (o que é se comportar bem?), cada reprimenda da professora por ler gibi durante a aula (não é útil ler gibi? Mas Pedro Bandeira é?), cada castigo por querer andar de bicicleta ao invés de estudar álgebra (não é importante andar de bicicleta?), cada vestido de babado colocado no corpo que nasceu com uma vagina (corpos com pênis são anatomicamente inaptos a gostar de babados?)... todas essas coisas são chicotadas e porradas sociais adestrando os indivíduos. “Fique na linha, obedeça, siga a norma ou sofrerá as consequências” é o que o sistema nos diz.

Eu venho tentando quebrar essas algemas, mas essa é uma tarefa bastante complicada. Porque o sistema nos engloba por completo, esse sim é onipresente. E de repente me pego repensando absolutamente tudo, todos os meus gestos, meu modo de vestir, de falar, de me comportar, meus gostos... Será que realmente gosto disso ou fui adestrada a gostar? Será que, se eu fosse livre realmente me comportaria dessa maneira, ou será que fui adestrada a dar a patinha nesse tipo de situação social? São muitos questionamentos, muitos muros pra por abaixo e muito trabalho braçal pra construir algo novo no lugar.

O que me entristece mesmo é ver o medo e a apatia das pessoas em mudar, como o gado que você abre a porteira do pasto e eles simplesmente não saem. O mundo lá fora é desconhecido e assustador. Por mais que aqui dentro seja ruim, eu sei como lidar com o ruim, o novo eu terei que aprender como lidar. E aprender cansa, dá medo, assusta.

Quebrar as regras de um sistema velho e ineficaz, implementar um onde possamos nos auto regular, gerir nossas próprias vidas, acabar com as diferenças. Pouco importa se você tem conhecimentos de medicina e eu de culinária, porque conseguimos entender o quanto ambos são importantes. Sem hierarquias, sem melhor ou pior, todos irmãos trabalhando para o bem comum.

“Ah! Vai virar bagunça! Como as pessoas vão se comportar se não houverem leis?”.

Olha, eu tenho a tendencia a acreditar no lado bom das pessoas. Mas quer saber, se elas não tiverem lado bom, que se matem! É isso mesmo... Se não formos capazes de regular nossas próprias vidas, vivendo harmonicamente com tudo o que nos cerca, então talvez não devêssemos estar aqui. Nunca vi leis em pedras na floresta ou nas savanas, nunca conheci juízes nos desertos, muito menos advogados nos oceanos. Mas entre os humanos temos tudo isso e muito mais.

Que se matem!

Eu vou começar a fazer a malinha pra ecovila, enquanto isso vamos preparando mais algumas ações de desobediência civil. Aos que ficarem, boa sorte! Mas se você não está na vibe de travar nenhuma guerra santa em nome do Deus do poder e da ganância, será sempre bem vindo na ecovila!

=D

E viva a contra cultura! Viva a desobediência civil! Viva a LIBERDADE!

domingo, 5 de junho de 2011

E o não-vencedor do nosso não-concurso é...

é por enquanto o Daniel, companheiro nessa travessia que o blog do CAJU tem feito pelo mundo. Agradecemos pelo carinho e pela cumplicidade nessa luta muito doida em que nós caleidoscopicamente, entropicamente, involuntariamentre entramos; entramos para ganhar!

Ressalto também que o outro não-vencedor, o Anônimo, teve um sonho muito interessante, que contou a nós inspirado no desenho do post passado. Aguarde, pois seu sonho também será trazido à luz de um post especial ^^

"Caju é minha fruta preferida!
mais até do que toda eclésia que se faz com as saladas de frutas, uma orgia de caju (e de castanhas) é o céu onde a ideologia não alcançará jamais.

Mas entre um cajueiro solitário e uma Ideolorgia, prefiro claro a segunda, porque árvore solitária é boa companhia para os pássaros que não comem frutos, porque frutos são filhos e filhas da fecundação. E para fecundar é preciso no mínimo 2. E com 2 ou mais já é orgia!

Prefiro as saladas de frutas para aumentar a sensibilidade dos gostos, aumentar a subjetividade tão produtiva dos conflitos de vontades, de relações, de imagens e ações, prefiro as saladas de frutas que incluem tudo até o azul, como o mirtillo (uma fruta azul) e o absinto. Para as saladas de frutas que são apenas brancas, ou verdes, ou vermelhas; essas monotônicas dependem tanto da autoridade que precisam incluir em seu rótulo sua legenda, que diz: maçã: o fruto da árvore do conhecimento.

Entre a árvore e o conhecimento, fico é claro com á árvore, porque nunca sei que frutos virão na primavera, e o conhecimento é (quase) sempre a sensação vazia das palavras pouco interpretadas. Gosto das maçãs, mas prefiro a pera, e a manga, e sobretudo jasmin e caju.

Porque frutas não são só açúcar, nem são só cor, ou só cheiro, ou só época e estação. Frutas são sementes, são promessas, são presentes e são compromissos. A fruta é para o corpo o que o amor é para a vida: néctar.

Pólen é a letra, o símbolo mínimo que faz das nuvens sentenças inteiras. E enquanto ideolorgia, sou tempestade."