domingo, 28 de agosto de 2011

Seus cabelos azuis

Foi de pé, no meio do outono, tomando sorvete de casquinha. Velho hábito esse meu, tomar sorvete no frio. Mamãe, médica, diz que o corpo humano, mui primitivo, pede gordura para proteger-se, mal sabendo que bem ali, nas Lojas Americanas ou na Leader da esquina, há casacos. Pedia sorvete, eu tomava o sorvete de pé, erguida contra o vento frio como um obelisco inabalável, como um obelisco erguido por reis do passado, quando animais falavam. Um obelisco que atravessava todos os tempos, uma estátua de uma certa liberdade. Quis lhe dizer tudo isso, mas você não estava a meu lado, e pela primeira vez senti saudades de você. Eu quis lhe contar alguma coisa sobre como aquela tarde trazia ventos do Sul, eu quis lhe dizer como havia asas de fadas transparentes naquele ar gelado, e também quis com você rir de algum sátiro que passou pulando na rua. Porém, tínhamos crescido, saído da escola, você agora morava em outra cidade e eu não tinha como lhe dizer absolutamente nada. Pois além de saber que você estava em Minas Gerais, eu não sabia mais nada; minha amiga agora representava um vago conhecimento de geografia.

Quando meses depois fui te ver, você tinha lindos cabelos azuis. Lindos cabelos de anis, que dava vontade de enfiar inteiro na boca, e chupar essa cor de arco-íris até a última gota, até que o cabelo descolorido como palha aparecesse sob a tintura. Nunca achei que fosse de mentira aquele azul, não acredito que haja de fato coisas de mentira. Se não foi a natureza, se foi a farmácia que te tingiu a cabeça de céu, não é menos verdade, por não ser menos você. Tivesse cabelos vermelhos, laranjas, saía de você esse bando de cores, do seu sorriso, e eu tive certeza de que meu lugar era ao seu lado. Que não fosse físico, esse lado, eu também sabia, conquanto tivesse o conforto das suas palavras, conquanto você pudesse me abraçar com a alma, conquanto pudéssemos tomar sorvetes contra o outono em cidades diferentes, sabendo que estávamos unidas pelo tempo.

E naquele dia de ressaca, quando acordamos lado a lado, eu acordei primeiro, e a primeira coisa que vi foi aquela cascata azul manchando o travesseiro, enquanto uma nesga de sol rasgava o quarto em dois. Eu sabia que era aquele ali meu lugar, ao lado do seu azul.

Eu nunca tinha tido 13 anos de relacionamento, muito menos tinha me visto querendo terminar tal feito. Porque, veja bem, de fato não ligo para as histórias das coisas, se o presente me machuca. Mas com você, com você é tão diferente! Com você eu só podia lembrar daqueles lindos cabelos azuis. Daquele banho de chuva que levou embora um pé das minhas havaianas. Mesmo que a Você do presente me machucasse, e eu tenho certeza, certeza, de que te machuquei também: nas manhãs de outono que vieram antes do fim, não havia um dia sequer em que eu não pensasse em reaver aqueles seus cabelos azuis. E aquele sorriso que irradiava todas as cores. E as histórias de todos os mundos que inventamos na esquina da sua casa, antes mesmo de você se mudar para aquele distante continente de Minas Gerais. Não havia um dia em que eu não tentasse reaver aquela menina com quem eu queria encontrar liberdade dos pais e avós assassinos de sonhos, com quem eu queria salvar o mundo do capitalismo, e do machismo, e do racismo, e do especismo... Não... terminar com você não era apenas dar por encerrada uma história, mas fechar as cortinas de um futuro que desenhamos juntas, lá no quadro de giz da nossa infância.

Então, uma manhã de verão derreteu o nosso sorvete de uma vez por todas, uma ligação de telefone, e burocráticas como duas stalinistas, estava por terra o nosso portentoso castelo de cartas. E pensar que jamais enxerguei a fragilidade de nossa arquitetura de papel, cheguei a apostar certas feitas que era inabalável, enquanto cá e lá já as traças invisíveis comiam nosso alicerce. Subestimamos o poder das pequenas mágoas e das pequenas feridas, enquanto estávamos ambas concentradas em problemas maiores. E não vimos. Mal vimos. Que a poeira assentou no seu cabelo azul e a miopia se assentou nos seus olhos. Agora não sei, já não sei, se a garota que tinha aqueles lindos cabelos ainda existe. Por último, vale dizer, que os cabelos eram tão mais lindos na medida em que eram seus...

domingo, 21 de agosto de 2011

De um outro lugar...


Bom, gente, hoje o POST vai ser um tanto quanto diferente. Em vez de ficarmos matraqueando para vocês ouvirem, vamos dar lugar, mais uma vez, a um@ amig@ querid@, a Dorothy, que para além de leitora assídua – ao que parece – deste humilde blog, tem opiniões e posicionamentos que nós achamos MUITÍSSIMO RELEVANTES. Ela aqui faz uma crítica pós-moderna e pós-estruturalista ao nosso “No seu cu... que tal?”. O texto pode ser lido nos comentários do nosso post, mas achamos que ela merece mais visibilidade (aliás... uma mulher-trans-pós-identitária sempre merece mais visibilidade!) e cedemos o honrado post de domingo para suas palavras.

Nós, é claro, elaboramos uma réplica, mas invertendo os papéis, nossa resposta pode ser encontrada nos comentários.

"O problema do feminismo estaria na questão importantíssima levantada por varios autores, entre eles a socióloga Berenice Bento: "qual afinal é o sujeito político do feminismo?"
Se é o personagem social "mulher", na minha opinião, o feminismo continua sendo sexista.

E por "sexismo" ,entendo a divisão binaria de papéis de acordo com genitalias e supostas "identidades de gênero" naturais e biolõgicas. Não é possivel se revindicar o feminismo sem acatar convenções que imponham que há um ser (a mulher) que é históricamente oprimida por outro (o homem) e neste processo se reproduzir uma forma de opressão que começa ainda antes de nascermos"
 

"E ao Diogo:

Bão são os homens que têm "implicância" com o feminismo. Pelo que entendi do texto, a autora parece perceber algo que venho notando a muito tempo: se o sujeito do feminsimo é a "mulher-vagina", são os homens que não têm o referencial subjetivo ou objetivo para compreende-lo.

Eu como "mulher-trans-pós-identitária", por não ter vivido varias das experiencias "femininas" na inha vida (não saber o que é menstruar, não ter acesso a uma vagina, não ter tido uma educação de "menina" quando criança) não poderia nunca me revindicar como "feminista". Desconheço a profundidade da experiencia feminina.

Pelo mesmo motivo não posso concordar com uma luta contra o "machismo" sem antes me aprofundar na luta e na opressão do homem. Em suma, não concordo com ideais maniqueístas do tipo "burguesia X proletariado", "feminismo X machismo", "bem X mal", pq isso na pratica desumaniza e nao apresenta soluções,apenas busca apontar supostos "culpados".

O grande mérito deste texto, foi perceber que imaginar que a esquerda "libertária", é capaz de compreender o sofrimento das mulheres simplesmente por ser "libertária" e sem compreender que a idéia de "libertarianismo" numa sociedade neo-liberal não é a mesma de 30 anos atrás. "ITS A TRAP!" A esquerda tem menos capacidade de compreenção exatamente pq acredita que as opressões são fruto de questões objetivas, quando pelo contrário, o problema está na subjetividade, "IT'S A TRAP TOO!!!"

Bom, pelo menos esta é minha opinião."

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Você e eu


O despertador tocou cedo, você se espreguiçou do meu lado. Sua visão me reconfortou e, apesar do imenso sono que ainda me acometia, juntei forças para me levantar. Comemos nosso desjejum juntos, e ainda trocamos caricias e olhares. Caminhamos lado a lado, nós dois sabiamos o dia que nos aguardava mas, naquele momento, tinhamos apenas um ao outro e o asfalto sob nossos pés.

Saí pra trabalhar ainda pensando em você. Você ficou em casa, enquanto eu fui ganhar o pão. Lembrei do pão que você mais gosta. Desejei que o dia passasse rápido para voltar pra casa e te rever.

Passei o dia numa mesa telefônica com um computador lento a minha frente. Me irritei levemente quando a voz, do outro lado da linha, disse que eu era paga para repetir coisas como um robô. Me indaguei sobre aqueles que, verdadeiramente, não trabalham como robôs. É que o capitalismo tem esse poder sobre nós, mesmo quando somos competentes e exercemos a função que nos foi designada, nós a repetimos tantas vezes que tudo fica meio robótico mesmo. Não importa o quão letrado ou iletrado você seja, somos todos robozinhos programados.

Eu não sou uma máquina, e não gostei quando aquela voz me comparou a uma. Eu sei de todo o meu potencial intelectual e me senti, com aquela comparação, presa dentro de um cubo de gelo. Mas a verdade é que, naquele momento, eu estava apenas cumprindo a função que foi assinada na minha carteira, e eu era apenas mais um robozinho programado.

Lembrei de você ao desligar o telefone. O que será que você estaria fazendo? Aquela hora do dia minha irmã estava em casa, então sabia que você não estava sozinho. Me preocupei com a sua rotina e, na hora do meu almoço, liguei pra casa.

Depois de encerrar o ponto, ainda tinha que enfrentar aquelas aulas cansativas e lotadas de piadinhas que já me cansavam antes mesmo de ouvi-las. E eu pensei em jogar tudo na primeira lixeira e ir pra casa ficar com você. Enfrentei bravamente, não sem engolir um café amargo que serviu pra manter meus olhos abertos.

Saí dali desejando chegar em casa. E o ônibus que levou alguns minutos para sair, mas que pareceram horas. E você? A essa altura já estaria sozinho em casa. Minha irmã trabalha a noite. Será que você estaria comportado? Será que estaria com fome?

Abri a porta, os olhos correndo a sua procura. E lá estava você, deitado na sua caminha, levantou se espreguiçando, com o rabo balançando e vindo na minha direção. Ajoelhei para te cumprimentar, senti seu pelo macio nos meus dedos. E já fui logo apanhando a coleira, era hora do passeio da noite, para o xixi antes de dormir.

Decidi descer mais uma quadra até o parque. Chegando lá, você era só felicidade! Te libertei da coleira e imediatamente você começou a correr, descrevendo grandes circulos a minha volta. E a medida que eu fui caminhando pelo parque você veio correndo sempre descrevendo raios a minha volta. Ali a diante alguém também passeava com um cachorro, e você brincou com ele.

Eu fiquei ali, durante quase meia hora, sentindo sono e apreciando você e a sua “liberdade”. Porque livre você não é, mas ali você podia sentir aquele gostinho lá no final da língua.

E de repente me dei conta do que você havia feito no meu coração. Nós somos iguais! Dois escravos fabricados, tentando viver da melhor maneira que podemos. Desejamos a liberdade, desejamos viver a vida plenamente. Mas essa vida já não é desse mundo, nem sei se um dia já foi. A vida lá fora só nos machuca.

Você sabia que voltar para casa comigo era sua melhor opção e, na hora de ir embora, me esticou o pescoço resignado. E nós dois voltamos lado a lado, pensando e desejando um mundo em que nós dois pudessemos ser livres. Um mundo em que eu não precisasse ser um robozinho programado e você nunca fosse pra casa comigo.

E nós voltamos e, ao entrar em casa, eu liguei a TV, e você deitou nos meus pés... e suspirou... e eu também...

domingo, 14 de agosto de 2011

Cocozinho


Hoje a temática é o cu de novo... O último texto, escrito pela minha amiga e companheira de blog, me fez pensar e relembrar muita coisa. E também foi um texto que gerou certa repercussão por aqui. Então decidi levar o assunto a frente e, mais uma vez, mostrar como o machismo anda na nossa cola diariamente.

Eu nunca fui chegada nessa história de cu. Essa coisa de prazer anal sempre foi assunto estranho pra mim. Quando perdi a virgindade, meu namorado da época também era virgem. O clima entre a gente foi esquentando aos poucos e, na verdade, foi tudo muito legal. É legal viver esse momento de descoberta juntos, sem pressa, explorando as novas sensações. E lá pelas tantas do nosso namoro, já sem meu precioso cabacinho, o assunto do anal veio à tona. Eu tinha curiosidade. Resolvemos tentar.

Péssimo! Sério, não consigo entender de onde vem o tal do prazer anal. Pra mim a sensação é igualzinha a de estar cagando. O cara tava lá, metendo, todo feliz, e eu só conseguia pensar que estava cagando. Comecei a entrar numa nóia louca, de achar que ele ia tirar e a pica dele ia estar toda cagada, que a cama ia ficar toda cagada... enfim, não me diverti nem um pouco.

Mas acontece que homem parece que tem fetiche em comer cu! Que merda! Eu disse ao meu namorado que já não queria fazer de novo. Ele foi tranquilo em relação a isso. Mas todos os caras com quem me envolvi dali pra frente não. Será que é assim tão difícil compreender que nem toda mulher gosta de dar a porra do cu?

E o pior é que a gente vai se sentindo pressionada a dar a rosca. Eles pedem tanto, insistem tanto. E já fazia tanto tempo que as vezes eu ficava pensando que talvez pudesse ser bom, vai ver eu não tava sabendo aproveitar... Vai saber... E lá fui eu empinar a rabeta pra outra piroca. Mesma merma. Mesma vontade de cagar, coisa mais estranha.

Quando eu falo isso pras pessoas eu recebo respostas muito loucas. Tem gente que diz que eu tô viajando, que sexo anal não tem nada a ver com cagar. Mas já ouvi “ah, mas cagar é tão gostoso”. E uma amiga me contou que o namorado dela ficava de pau duro quando ia cagar. Sei lá cara... Talvez isso tudo seja meio Freudiano, talvez não. Eu espero que não. A única coisa que sei é que sentir tesão em cagar, realmente não é a minha. Fica você aí com seu cocozinho...

Ultimamente a vida anda meio parada no quesito sexual. É que de repente ficou muito complicado me relacionar com homens. São tantos os questionamentos, são tantas as coisas que já não engulo mais, que a verdade é que a minha pica ficou maior que a deles, e agora são eles que estão pedindo por favor pra eu não meter no cuzinho deles.

Olha... nada contra quem tem tesão em cu. Se te faz feliz, vai na fé! Mas esse buraco é muito mais complexo. Há um tempo atras, numa discussão sobre homofobia, um cara (homofóbico, claro) me solta a pérola via twitter “mulher também tem cu”. É, só falta eles entenderem que homem também tem!!! Nessa hora eu lembrei de uma cabeleireira onde eu cortava meu cabelo, uma vez dizendo que fica bolada quando tem um namorado que fica enchendo o saco pra comer o cu dela, ela tinha medo dele ser viado. As duas caras de uma mesma moeda.

Eu cansei das piadinhas, eu cansei da pressão, eu cansei do cocozinho... E o papo tem que ser bem reto, bem como terminou minha amiga “E NO SEU CU??”. Mulher também tem cu, cocozinho, mas homem também tem. Empina a rosquinha bem gostoso pra mim, vai... Isso... Agora geme!!!

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

No seu cu... que tal?

Tenho um amigo que diz que só dá o cu porque não tem buceta. Tenho que concordar com ele que, apesar de ter prazer com o sexo anal (o que inclui, contrariando a ciência burguesa e cristã, orgasmos!) minha vida em torno da minha rosquinha sempre foi a velha questão do cão e do gato: como a maioria esmagadora das pessoas agraciadas com uma rola dourada ao nascer tem PAVOR de camisinha (como se o pau respirasse e fosse morrer sufocado com a dita cuja), e eu sou seriamente contra a domesticação da pílula anticoncepcional sobre o útero, eu vivia a vida adoidada na contagem da tabelinha, garantindo o sexo no período fértil com meu maravilhoso cuzinho. Pois é, não estou orgulhos@.

Reserve o parágrafo acima.

Está muito na moda essa galera heterossexual de esquerda, esses aí com seus balangandãs pendurados no meio das pernas, dizer que são feministas. Houve minha época de acreditar na balela, mas com um pouquinho de estudo, análise dos discursos dos meninos, e um tantinho de nada de bom senso, a gente vê que é simplesmente mentirinha. Veja bem, ser feminista NÃO É TORCER PELO TIME DAS MENINAS; ser feminista NÃO É TER UMA RELIGIÃO; ser feminista NÃO É CONCORDAR, por mais integralmente que seja, com uma certa visão de mundo. Isto porque, do humilde (ou não...) ponto de vista de quem vos fala, ser feminista é ser apt@ a produzir um discurso do lugar de fala de uma opressão MUITO ESPECÍFICA. Sendo mais grosseira: o monte Everest é alto, mas por mais alto que seja, não dá pra ver as pirâmides lá de cima, não é? Entonces, personas, o mesmo se dá com meus amigos machos de plantão: obrigada pelo apoio, acredito DE CORAÇÃO no seu engajamento contra o machismo que é um constituinte de suas próprias personalidades, mas por mais emoção e atitude que vocês imprimam nessa jornada, tem coisas que você só entende quando tem um útero. Nossa visão de mundo está atrelada ao nosso lugar de fala: nossa classe, nossa nacionalidade, nossa etnia E NOSSO GÊNERO. E o feminismo é uma visão de mundo.

Só que tem gente que não entende!!! Tem MESMO aqueles homens que acreditam que sabem sim, muito bem, como é que a mulher se sente, aliás, aquele time célebre que adora dizer por aí que o Chico Buarque entende a alma feminina - afirmação risível que eu não perderei meu tempo a explicar. Também não me orgulho nada de dizer que já esfreguei minha buceta e até já me apaixonei - vejam bem - por gente assim, numa época em que eu não entendia com a exatidão que entendo hoje, que se aprofunda a cada dia, que o machismo é algo muito além de simplesmente achar que lugar de mulher é na cozinha. E essa pessoa, que não cabe identificar, odiava camisinhas e adorava comer meu cu: era o matrimônio perfeito entre o útil e o agradável. E como ele (muito macho!!!) acreditava em poliamor, acreditava que eu era um ser humano com sexualidade própria, que eu era capaz de ter orgasmos (coisa da qual não posso reclamar era aquele maravilhoso sexo oral), que eu era capaz de ter raciocínios complexos e subjetividade relevante, e como meus estudos de gênero estavam apenas por começar, era fácil cair na lenga-lenga de que ele era feminista.

Repito a toda pessoa: IT'S A TRAP!

Pois bem... certo dia estava eu a me deliciar com aquela língua maravilhosa entre as pernas - orgasmo pouco é bobagem - quando de repente, não mais que de repente, o macho em questão decide tentar uma brincadeira nova: o beijo grego, ou "língua no cu". No início estava interessante... até que começou a vir uma IRREFREÁVEL vontade de peidar. Digo de novo: IRREFREÁVEL. Na verdade, comecei a ter aqueles peristaltismos selvagens que anunciam uma caganeira iminente. Era uma sensação horrível! Dei uma reboladinha e coloquei minha buceta do lugar para ele lamber, mas ele voltava com a língua para a minha rosca. Que inferno! Dei todas as indicações sutis de que não estava gostando, e quando a situação cruzou a linha do insuportável, falei com todas as letras que não queria mais: que por mais que fosse gostoso a língua na buceta (na verdade, pra mim, ainda é o momento clímax do sexo, indiscutivelmente) no cu não funcionava, ainda que fossem os mesmos movimentos linguais. Depois de minha breve e sincera explanação, o mancebo me responde com a pérola:

"No cu, na buceta... não é tudo a mesma coisa?"

Para mim, a falácia do feminismo do mancebo caiu por terra ali mesmo. Claro que ele me chupou um pouco mais, e eu gozei um pouco mais também, mas passei boa parte do meu relacionamento com la persona pensando comigo mesma como explicar para ele quão machista era aquele comportamento. Quão machista é você, homem, que não tem vagina nem útero nem clitóris, alegar que tem mais conhecimento sobre um corpo que você não tem. Aliás, essa confusão toda de "homem feminista" surge porque nossa maneira de produzir saber ainda separa, majoritariamente, corpo de mente: como se a gente não pensasse com o cérebro, e o cérebro não fosse parte do corpo, nós ainda temos uma visão muito espiritualista de que a nossa mente é uma coisa que habita nossa cabeça, e não que o nosso corpo é parte integrante, fundamental e inseparável de nossa subjetividade. Se eu não tivesse vagina, se eu nunca tivesse sido obrigada a me infectar em bares sujos na cidade porque os donos acham que "lugar de mulher não é no bar"; se eu não tivesse decidido ser um ás do video game e os meninos derrotados nunca tivessem dito que "video game não é para meninas" eu simplesmente não seria quem eu sou. E da mesma forma, todos aqueles que possuem bilaus e jamais passaram por isso experimentam a realidade de uma forma muito, muito diferente, e não estão autorizados, não possuem QUALQUER embasamento, para falar de como eu sinto as coisas, para falar se quero língua no meu cu ou não.

Verdade seja dita, eu nunca consegui elaborar uma conversa para contar ao menino aquelas coisas: cansei de ser expulsa do meu próprio lugar de fala (LOL pra ele!) e terminei. Mas antes de terminar, comecei a ler o alguma coisa d@ Beatriz Preciado, falando da implosão da genitália. Não cabe aqui resumei a obra prima da pessoa em questão; porém, ela levantou uma lebre muito boa. Todo mundo tem cu, ela dizia. Por que não promover uma interação mais horizontal entre nossos corpos a partir desse ponto em comum, que todos nós temos? Precariamente - precipitadamente - concluí que meu companheiro, feminista, estava na vibe da horizontalidade para além de posição preferencial na cama. Apostei que ele estava realmente buscando um sexo igualitário, satisfatório para tod@s @s envolvid@s, e um belo dia tentei fazer um cunilingus nele. Nada agressivo, não estuprei o cara: fiz uma massagem nas costas, carinho, beijos, fui descendo, descendo, até chegar lá. Aliás, "chegar" é um exagero: na borda da cueca, o cara pergunta: "o que você acha que está fazendo?". E eu respondi, muito de boa, muito calma...

"Estou fazendo NO SEU CU... que tal?"




domingo, 7 de agosto de 2011

Amy Winehouse assassinada pelo colarinho branco do machismo

A monogamia carcerária, aquela em que a esposa zelosa estava restrita pelo pudor das cercas vivas dos jardins, foi sacudida pelas ondas do feminismo: mas daninha que é, a cerca do jardim não tardou em crescer novamente, senão mais forte, muito mais sedutora. A cada sistema de produção coube um machismo adequado às suas demandas econômicas e simbólicas, nos marcos da tecnologia de cada uma das sociedades em que se apresentou. No mundo ocidental, aquele machismo rural e medievo da castidade e do pudor, que encarcerava não só o corpo da mulher como também a imagem desse corpo, foi substituído por um machismo capitalista que transformou esse mesmo corpo numa mercadoria fragmentada – da mesma maneira, aliás, que fragmenta a vaca: vendem-se nossos peitos, nossas bundas, nossas silhuetas, nossas vozes. E descarta-se o nosso cérebro.
Ainda não entendemos plenamente o poder da palavra, posto ainda não entendermos o ser humano como aquilo que se faz além (mas também) da carne. O machismo nem sempre mata com as próprias mãos, sendo inclusive perito em terceirizar a violência para que a mulher pratique-a sobre si mesma. E assim segue o machismo, garboso, o colarinho branco, impecável. Quando uma menina de 14 anos submete seu organismo a jornadas de 3 a 4 dias de fome; quando essa menina submete o próprio corpo a uma dieta de desnutrição para obter o “corpo correto”; quando a menina negra gasta o salário dos pais com formol e outros venenos para que seus cabelos balancem ao vento; quando a mulher, sob pressão do parceiro, abdica da camisinha e morre anos mais tarde de câncer no colo do útero são apenas os exemplos grosseiros de como o machismo não precisa acorrentar a mulher à cozinha para continuar a matá-la. Sem contar a morte subjetiva, silenciosa e diária, de não sabermos se esta rua é realmente segura, de não podermos voltar tarde para casa, de não podermos andar com uma roupa que nos agrada com medo de que a nossa simples existência convide um pervertido ao estupro.
Aliás, a imagem que se vende da mulher não é meramente o retrato do corpo, mas a imagem simbólica: a figura da mulher é um acumulador de significados, é a sede da moral, tanto enquanto exemplo positivo quanto exemplo negativo de conduta. Não só o corpo da mulher diz respeito a toda sociedade – todos se sentem à vontade para dizer que você está gorda, mal vestida, ou magra e bonita – como sua própria vida: seus amores, seus amantes, seu sexo. Se ela bebe, se ela fuma, se ela se senta com as pernas bem abertas, as línguas não param de bater, as portas da vizinhança se fecham, os rostos antes amigos não tardam a virar-se, olhar para o outro lado, cercando a mulher de uma invisibilidade que a marginaliza, e é com medo dessa marginalidade que muitas deixam de viver a plenitude de sua subjetividade, fazendo sexo, bebendo, fumando, e andando com as roupas que desejam andar.
Com as famosas a situação só se agrava, e o caso de Amy Winehouse não foi diferente. Quando um entusiasta da música bradou para mim que Amy era a nova Janis Joplin, corri para a internet para conhecê-la. Não achei nada demais: uma boa voz, é verdade, numa menina bonita para os padrões capitalistas, e uma música engraçadinha sobre recusar a tratar o vício pelas drogas. Mas meu amigo insistia: ela não é a nova Janis apenas pela “voz negra numa garota branca”, mas pela atitude! Ela usa drogas, causa escândalo por onde passa, she doesn’t give a shit.
Não tardou muito mesmo para que os escândalos começassem. Primeiro, as brigas homéricas com marido: pipocava de todos os lados o rosto inchado, os olhos comprimidos pelas bochechas, e o galanteador em questão completamente fatiado pelas unhas da menina. Estavam todos consternados: ele era o vilão; era por ele que Amy dizia com tanta veemência “no, no, no” para sua rehab. A história de amor redimia a cantora, que no final das contas, pobrezinha!, era apenas a vítima de um crápula que se aproveitava de seu coraçãozinho feminino.
A história, é claro, uma hora encheu o saco, e Amy ausentou-se brevemente do mundo papparazzo até que a questão das drogas fosse seu novo holofote. Agora, não era mais a pobre menina seduzida por um par de olhos azuis: era simplesmente a vagabunda, inconseqüente, viciada. Quando se trata dos narcóticos, a vítima é sempre culpada pelo vício, o que é tão absurdo quanto dizer que a mulher é culpada pelo estupro que sofreu. As imagens da decadência de Amy estavam por todo lugar, os carniceiros de plantão fizeram suas apostas: quanto tempo você acha que ela ainda vai durar? Um ano, dois, no máximo. E a única coisa que eu pensava era: o produtor dessa mulher é um idiota de deixar uma artista assim morrer.
Nessas horas, um publicitário torna a vida mais fácil de se entender. Fui perguntar ao meu irmão o que raios o produtor de Amy tinha na cabeça: a decrepitude da mulher estava espalhada na internet e reverberava mais alto que sua voz, que teoricamente era o produto da artista em questão. Fui perguntar se não estava fazendo mal para as vendas, e meu irmão levantou a sobrancelha direita, pendurando um sorriso disfarçadamente no canto da boca: “you’re doing it wrong, sis”. Comecei então a pensar que minha análise estava no mínimo equivocada, mas havia coisas mais urgentes a tratar do que Amy Winehouse, e a deixei de lado mais um tempo, até o dia em que calmamente, num bar da vida, num domingo quieto, recebi incrédula a notícia da morte da cantora.
Dias mais tarde fui às Lojas Americanas adquirir umas canetas que estava precisando, e Amy estava em todo lugar. Havia banners pendendo do teto como bandeiras fúnebres, sua voz ecoava pela loja num silêncio opressor, centenas de CDs estavam empilhados na entrada. Então percebi que a voz de Amy estava sendo vendida pela primeira vez: Amy Winehouse é a vítima de um feminicídio, no qual a voz é um produto post mortem. O corpo de Amy, bem como sua imagem, foram explorados pela indústria fonográfica, convertendo-se na mais bem arquitetada propaganda, na qual o desfecho trágico, a morte na juventude, veio apenas aumentar as luzes sobre o produto final. O produtor de Amy não era um ingênuo negligente, nem a cantora estava selvagem e fora de controle: estava tudo perfeitamente dentro do script.
Sempre penso comigo, nas horas vagas, que o machismo estará longe de acabar enquanto não entendermos que a exploração simbólica da mulher também é um abuso sexual, na medida em que só incide sobre o corpo feminino, sobre sua anatomia bem como sobre sua subjetividade. A vida de Amy Winehouse é uma versão longa-metragem do assassinato de Eloá, aquela menina que, após horas e horas seqüestrada pelo próprio companheiro, acabou sendo morta, enquanto a imprensa de rapina fazia de seu drama um frio espetáculo. Dessa vez, contudo, as próprias câmeras foram o assassino, e mais uma vez, o colarinho branco do machismo sai ileso, branco, intocado...

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

VeganLand

Sempre gostei de histórias lúdicas. Sempre gostei de sonhos. Sempre sonhei muito, dormindo ou acordada.

Nos últimos dias histórias sobre sonhos tem povoado, acidentalmente (ou não, partindo do princípio que não existem coincidências) minhas tardes. Histórias que falam sobre esse choque entre real e imaginativo. Sim... Imaginativo e não imaginário. Histórias que falam sobre perder o senso sem perceber, se perdendo nas profundezas do seu próprio ser, se mesclando e se entrelaçando.

O que é real? Alguém pergunta.

Essa noção toda é bastante confusa, e também bastante metafórica. Mas eu gosto de metáforas, elas fazem essa conexão que tanto gosto e que tanto me atrai e fascina.

E a melhor metáfora para isso está no bom e velho País das Maravilhas. Um lugar onde gatos voam, falam e desaparecem, lagartas fumam e dão conselhos, as flores cantam num uníssono perfeito, o coelho veste um colete e se preocupa com a hora, a lebre e o chapeleiro cantam em comemoração ao seu desaniversário e bebem chá, um castelo está fincado no meio do labirinto, e os seres temem ser decapitados pela rainha (essa parte bem que poderia ser real), e seu exército de cartas pinta suas rosas...

É... Mas a versão moderna, essa do Tim Burton, vai mais além. Eu não costumo gostar dos filmes do Tim Burton. Não sei bem por que, ele tem uma estética meio esquizofrênica que geralmente me atrairia. Mas não é da estética que estou falando. Da estética eu gosto. Acho que não gosto das temáticas que ele geralmente escolhe. Acho que é isso. Geralmente acho tudo muito raso, apesar de bonito.

Mas dessa fez foi diferente. Eu sei que esse filme foi lançado já tem um tempo e esse texto vem com certo atraso. Bom... Mas atraso em relação a que? Nada tem tempo, isso são apenas convenções velhas e sem sentido. O tempo da crítica é o tempo do agora, o tempo exato em que se faz algo, no caso, ver um filme. Sem essa de tempo marcado ou tempo passado. Apenas tempo vivido no exato instante em que deveria ser vivido.

E fiquei ali, diante da telinha do computador, me apaixonando por essa linda versão aparentemente esquizofrênica. (Adoro essa palavra! Dá pra notar?). Uma nova e perfeita interpretação.

Seria tudo apenas um sonho? Seria tudo predestinado a acontecer exatamente daquela maneira? Não importa. O que importa é a percepção de que não existe diferença entre sonho e realidade. O sonho É a realidade, e a realidade É o sonho. Entende?

E eu fiquei particularmente encantada por vários motivos. Eu sempre tive um fraco por rebeldias, especialmente as femininas. Há quem diga que eu sou meio rebelde... Meio... Isso implicaria em você ser meia também, como disse o chapeleiro...

E esse filme tem um quê de rebeldia feminina. Mas essa é a máscara superficial dele, mas na verdade é somente mais uma metáfora, assim como Wonderland é a grande metáfora. A história fala sobre tomar a frente, assumir nossas escolhas e ações, assumir o controle sobre nossas vidas. Viver a realidade! Sim, ele fala sobre isso. Não importa se estamos indo de encontro ao que esperam que a gente faça, se estamos desapontando alguns. O que importa é assumir o que realmente queremos e somos.

No meu caso seria algo bem fantástico assim. Sim! Criar um mundo novo. Tenho uma amiga que há um tempo chamou esse novo mundo de Veganland, e nós começamos a brincar sobre isso. Um mundo novo, onde exista paz, respeito, amor, carinho e afeto. Um mundo onde os pássaros cantem e voem livremente lá no céu, onde as águas dos rios sejam limpas e transparentes, onde os peixes nadem e respirem tranquilamente, onde as árvores creçam e dêem abrigo para os seres mágicos da floresta, onde as joaninhas e formiguinhas tenham seu espaço garantido, e onde a chuva caia refrescante numa tarde quente. Um mundo onde não existam guerras e brigas, onde destruição seja uma palavra desconhecido. Um mundo onde todos dêem as mãos em beneficio mútuo, onde as crianças possam rir felizes de suas histórias, onde todos os Reinos façam parte do mesmo planeta. Porque todos compreendemos que habitamos a mesma casa, o mesmo lar, e estamos todos em casa. Um mundo sem intrigas ou tragédias. Um mundo de Luz, de La Belle Verte.

Um mundo assim será possível? “Às vezes eu penso em seis coisas impossíveis antes do café da manhã”.

Acho que a pergunta principal não é se é possível ou não. Mas onde, exatamente, nós, seres humanos, cabemos nesse mundo? Nossas ações diárias nos levam pelo caminho diametralmente oposto a esse. Nós cultivamos coisas pseudo-racionais, idolatramos papel colorido, idealizamos o mundo dos sonhos como um local metálico, climatizado, sem muitas cores ou cheiros, bem afastado daquilo que chamamos de selvagem. Achamos bonito essas noções de civilidade. E assim, deste modo estranho, usurpamos todas as formas de vida que compartilham o planeta conosco, como se eles não tivessem o direito de existirem aqui. Inclusive os outros seres humanos.

Uma vez eu li uma frase que nunca mais me saiu da cabeça, apesar de ter completamente esquecido a fonte. “Violência é ter que pagar só para poder existir no planeta”. Sim!

E o filme foi correndo, Alice foi aumentando e diminuindo, e eu fiquei ali pensando sobre essas noções de real e imaginativo. E como isso tudo é, de fato, uma grande besteira implantada nas nossas cabeças para impedir que as idéias creçam. E aí lembrei do outro filme que povoou uma tarde qualquer dessa semana, e da frase que lá ouvi. “Qual é o parasita mais resistente? Bactéria? Vírus? Um verme intestinal? Uma idéia. Resistente e altamente contagiosa. Quando uma idéia domina o cérebro, é quase impossível erradicá-la.”.

É isso aí! Se queremos criar um mundo novo, o primeiro passo é idealizá-lo. É preciso arriscar ser chamado de louco, maluco, radical. O radicalismo é o único e verdadeiro caminho para mudança. Se posicionar radicalmente contra esse mundo caótico e a esses valores que corrompem e destroem, e radicalmente a favor de um mundo novo, pautado em novos valores, valores de pureza e de amor! Ser radical, buscar as raízes do sistema, alterar suas bases! Só assim poderemos ver uma estrutura totalmente nova.

Quem quiser me acompanhar é bem vindo a bordo! Nesse trem de idéias! E desejando ardentemente que as idéias voltem a ser perigosas! Rumo a VeganLand!