terça-feira, 12 de junho de 2012

Homens, saiam da minha teoria


Um update pessoal...

Para ser sincera, eu sou uma pessoa desinformada: isso não é nada bom. Por saber que a mídia burguesa é, como qualquer conglomerado empresarial, um cartel de entidades político-econômicas comprometidas com o lucro via entretenimento alienado e alienante, poupo-me de ver televisão e não leio revistas ou jornais de grande circulação. É um misto de comodismo com um esforço sincero de não ser agredida em meus ideais sexo-políticos – do ponto de vista simbólico, qualquer emissora que veicule comerciais de produtos de limpeza abusa profundamente da minha assignação bio-política, e acaba por me agredir. Mas não, não está certo, embora, por hoje, seja o que está dentro das minhas capacidades.

Acabo me atualizando por outros blogs e por outras feministas. A quem pense que “assim você já está recebendo a notícia pelo viés político”, a “forma notícia” também não é uma forma de pensar politicamente um acontecimento? Na medida em que o recorte primeiro desta forma de narrar é “deixai à porta da mídia todas as marcas discursivas de sua opinião”, a notícia não é o mecanismo pelo qual uma visão política se traveste de evidência? Para mim, assim o é, de forma que receber as notícias por um olhar feminista muito me agrada.

Para me atualizar, o blog que leio é o da Lola. Com todas as críticas que se fazem dela, uma coisa é certa: o fato de postar todos os dias faz com que seja um método eficiente para me manter atualizada. E o contato com feministas de outras partes do mundo dá uma dimensão importante na luta contra o machismo, no sentido de termos noção das especificidades das lutas pelo mundo afora. Enfim, o post que eu gostaria de comentar é o bom e velho post sobre “homexplicar”: embora a maior parte de mis amigues já tenha lido sobre o assunto, do blog da Lola ou de fontes outras, acho que eu preciso ver essas palavras saindo de mim mesma, como a mais ateia e desiludida das preces. Para entender, preciso fazer essas palavras passarem pelas minhas vísceras neurais, torná-las parte do meu corpo e da minha identidade. E eu o faço através da escrita.

E vamos ao que interessa

Parafraseando uma blogueira estadunidense (aconselho que vocês leiam o post da Lola também), a autora diz:

 “Homexplicanismo não é apenas o ato de um macho se explicar; muitos homens conseguem explicar coisas todos os dias sem serem minimamente ofensivos a suas interlocutoras. Homexplicanismo é quando um cara explica a você, mulher, como fazer algo que você já sabe fazer, ou como você está errada a respeito de algo que você de fato está certa, ou apresentar 'fatos' variados e incorretos sobre algo que você conhece muito melhor que ele. Pontos extras se ele te explicar como você está errada sobre algo ser sexista!

No caso da Lola, ela está visivelmente preocupada com o average man, a pessoa comum, o que, tendo em vista estarmos numa sociedade hetero-capitalista, acaba resultando no indivíduo com inclinações políticas liberais. Minha preocupação, contudo, é outra. Meu buraco é mais à esquerda.

Vivo, atualmente, cercada de pessoas que assim se reivindicam. Isso é excelente! Vivo em contato intenso com marxistas, anarquistas, enfim, pessoas comprometidas com o fim do capitalismo, cada uma a seu jeito, e que parecem entender perfeitamente o problema da opressão à mulher. São pessoas que, pelo menos em suas performances narrativas, se mostram não só simpáticas (hoje acredito que toda forma de simpatia é na verdade uma maneira disfarçada de apatia), mas solidárias, e sobretudo engajadas. Não se tratam de pessoas limitadas àquele tapinha nas costas, àquele go girl, ou à máxima “o mundo precisa de pessoas como você”. São pessoas que lêem, que estão do seu lado no dia-a-dia, que são o ombro no qual você chora ao final daquela discussão que você teve com a pessoa mais machista do mundo. Pessoas que citam trechos inteiros de uma Butler (uma? Será mulher?), Beauvoir ou Kollontai, que em assembléias e plenárias pegam do microfone para defender você com unhas e dentes.

E no entanto, se você pergunta para eles (sim, homens), onde está o problema, o problema está em todo lugar: é o capitalismo, é o machismo, é a exterioridade absoluta que nunca tem nada a ver com suas identidades. E aí você pega a galera na curva da contradição: são homens, isto é, corpos bio-politicamente assinalados a uma identidade de gênero relacionada com uma estrutura que os empodera, mas que em hipótese alguma consideram que a relação de poder passe por suas identidades, ainda que não parta delas individualmente. Pessoas que se comprometem a relações monogâmicas sem a menor pretensão de cumpri-las, enredando suas parceiras em relações instrumentais das quais visam a obter apenas uma confortável e perene fonte de sexo e afeto. Homens que gritam GOL e afirmam que estamos numa pátria de chuteiras, diante de uma indústria pseudo-esportiva que vive de alimentar (e ser alimentada) por um modelo violento de masculinidade (aliás, existe modelo não-violento de masculinidade?).

E o que acontece quando você coloca os machos na parede e cobra respostas coerentes sobre o disparate deste comportamento é o mais fenomenal homexplicanismo: eles vêm com o caminhãozinho das mais diversas citações feministas e jogam na sua cabeça fazendo tudo soar com um incrível ineditismo! Eles se apropriam daquelas que são as suas armas para lutar contra a opressão à qual desde a ultrassonografia você está assinalada, usando este arsenal teórico, que é seu, contra você. Para manter todos os privilégios relacionados à sorte cósmica de terem nascido geneticamente com um cromossomo Y.

A esses homens, peço que me dêem licença e saiam da minha teoria. Ou antes, talvez esteja mais do que na hora de repensarmos esta miscelânia de gente que é a esquerda: que ela deixe de ser o signo da luta do homem branco pela liberdade de sua etnia, sua orientação sexual e sua identidade de gênero, e passe a ser o signo da luta contra toda e qualquer opressão. Para mim, se você não é feminista, simplesmente não é de esquerda. Fim de papo.

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