domingo, 23 de setembro de 2012

Cacos de vidro vermelho

Eu queria fazer um verso pra você musicar
eu queria fazer um verso pra eu cantar
eu queria que você tivesse lá pra me ouvir
eu queria que você fosse o primeiro a me aplaudir
eu queria jogar fora o rosto de boneca que você tentou me vestir
eu queria me transformar naquilo que me agrada
naquilo que me faça rir
mas foi impossível
foi impossível
foi impossível
foi impossível

a rima ficou perdida
o falsete se perdeu no ar
as notas da minha voz se perderam em alguma vida passada
alguma vida de merda talvez tão merda quanto essa
o grito rouco e desafinado nunca me pareceu tão melódico
porque é isso o que eu escuto
só isso o que eu escuto
um estrondo rouco, desafinado, melódico
o som, aquele som
aquele som

você nunca tentou compreender
achou que era tudo pessoal
(risos)
talvez fosse mesmo
o que não é pessoal?
se eu tô aqui vivendo, é porque se tornou pessoal
sempre foi pessoal
nós é que levamos tempo demais pra perceber
levamos tempo demais pra entender

eu queria crescer e me transformar em tudo aquilo que você me fazia temer
eu queria crescer pra jogar meu molotov naquele corpo que você me fez usar
eu queria crescer pra lamber o veneno que escorria daquela ferida aberta
eu queria crescer pra quebrar aquele copo vermelho
copo vermelho
copo comprido, vermelho

é que você não entende
não entende a nota que eu canto
não entende o falsete na minha voz
não entende o rasgado nas minhas roupas
não entende a calcinha velha e manchada de menstruação
não entende os óculos sujos e velhos
(risos)
não serei eu a te explicar nada agora

agora tudo ficou pra trás
toda a vontade, todo o desejo
tudo virou raiva
todo o desejo de um dia ver você na primeira fila
se tornou ódio e vontade de te chutar pra fora daqui
vontade de gritar e fazer o amplificador explodir
é que de repente eu entendi
eu entendi que jamais fui daqui
todo o pensamento macabro
toda vontade de suicídio
todo sangue que tive vontade de ver escorrer
todo grito sufocado
todo gozo escondido
tudo legítimo!
Violentamente reprimido!
Violento é você
violento era o rosto de boneca que você queria que usasse
violento era o batom fálico que você queria manchar meus lábios
violento é o corpo enquadrado que você ainda quer que eu vista
violento é essa merda que você chama de amor

eu quero gritar do jeito que eu quiser
quero dizer que já cresci
cresci e me tornei tudo aquilo que você me fazia temer
cresci e jogo um molotov por dia nesse corpo que você queria que eu usasse
cresci e uso minha língua pra lamber
lamber gozos que escorrem de fendas abertas em corpos
corpos bem diferentes daqueles que você queria pra mim
(risos)
minha vida são cacos de vidro vermelhos...