domingo, 16 de junho de 2013

METÁFORAS AFETADAS

Eu gosto das metáforas. Elas sempre me pareceram um jeito estranho e levemente dolorido de entender as coisas. Elas sempre representaram aquele momento cotidiano em que as palavras não são suficientes, em que as palavras só servem pra atrapalhar toda a comunicação. Nessas horas, meu corpo quer jogar os dicionários, que jazem na estante, pela janela, meu corpo quer dançar pra te fazer ouvir. Meu corpo quer tremer pra te fazer falar, meu corpo quer gritar sem emitir um só som.

Nas últimas semanas muitas coisas aconteceram, foram altos e baixos, brigas, choros, desesperos. Mas também houveram risadas, bebidas, sonos e confortos. Mas nada disso exprime tudo o que se passou. Talvez se eu falasse que aquele momento todo era fino como papel de seda, que tudo o que pairava no ar era aquele todo preenchido. E eu ali, olhando o todo desejando ver o nada.

Uma matilha passou correndo bem diante dos meus olhos, aos uivos e ganidos. Já não sei mais dizer o quanto havia de raiva, o quanto havia de decepção, o quanto havia de desejo, o quanto havia de dor. Eram só cores que piscavam e brilhavam e me diziam tanta coisa, aquele som me dizia mais que qualquer palavra. Minhas lágrimas desceram quentes e salgadas, eu ouvia e entendia...

Parei por um momento e olhei pra trás. Vi o longo corredor polonês que percorri, nas paredes as marcas de sangue e choro que ficaram pelo caminho. Algumas janelas mostravam as risadas abafadas que tentaram sufocar, fechei os olhos e me esforcei para ouvi-las. Lembrei de noites de lua cheia, das músicas e dos encontros, das bocas e das mãos, dos gostos e dos cheiros. Abri os olhos e contemplei o longo corredor a minha frente, meio embaçado pela miopia, mas com a certeza de sangue e choro derramado.

Respirei fundo e abri mais uma janela.

Ali estava escuro, só se ouvia as respirações ofegantes. Olhei mais uma vez pro corredor que parecia estar apertando as paredes contra mim, sorri e pulei pro outro lado. Era um quarto? Uma sala? A casa de alguém? Não saberia dizer, nem me importaria em descobrir. Só era possível distinguir o emaranhado de corpos que falavam sem emitir palavras, essa linguagem dxs estranhxs, dxs esquecidxs, dxs subversivxs, dxs que já não sabem mais falar...

Lá estavam elxs, uivando e se lambendo no mais sincero sinal de afeto. A enorme matilha com seus olhos serenos, com seus pelos que vibravam com o vento, com seus focinhos que pareciam rastrear o nada de longe. Caí no chão. Caí porque meu corpo já não se sustentaria, caí porque já não haviam motivos pra permanecer bípede, caí porque toda essa estrutura corporal serve a língua que eu desejo desaprender, caí porque agora meu corpo só seria capaz de uivar e lamber... em sincero sinal de afeto.

Fiquei ali, sentindo os pelos crescerem, o focinho se alongar, os olhos entrarem em foco, os membros se modificarem. Quando fui capaz de abrir os olhos novamente, só havia a lua a minha frente, e a matilha que se aproximava. Eu vi um sorriso naquele uivo. Já não haviam mais paredes, nem janela, nem sangue, nem choro... Haviam cheiros de pensamentos azuis, que se misturavam com os sons avermelhados dos olharem, havia o brilho opaco dos recheios alaranjados que cobriam todo o nada adormecido.

Começamos a correr, talvez fugindo de algo, talvez em busca de algo... talvez os dois...


Era uma corrida solitária apesar de acompanhada. Será que todxs aquelxs seres ouviam aquela música? Era o som dos uivos, da floresta, dos corações, das lambidas, das respirações... Havia uma harmonia desarmônica que não buscava por um compasso exato. E eu queria dizer, queria me fazer compreender... Todo aquele castelo de cartas, construído com tanto afinco e paciência, voaria ao som da primeira palavra proferida. E nós ficamos ali, nos encarando, toda a matilha... E voltamos a cheirar, uivar, lamber... no mais sincero sinal de afeto...

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